quinta-feira, 24 de junho de 2010

"Rebolation" filosófico por Paulo Ghiraldelli Jr.

Estou enlaçado na rede Juventude Cidadania, a nossa querida JC, o Carlos "Chacal", mais conhecido como Davi Carneiro, enviou-me o texto do Professor Paulo Ghiraldelli Jr:  Rebolation filosófico. Compartilho com todos os amigos da blogosfera, ressaltando que o momento é apropriado para a leitura do texto abaixo, com tantos intelectuais virando-a-casaca e contando os vis metais... Ahahaha...

Rebolation filosófico
22/06/2010

Quando um intelectual diz que não quer mudar o mundo, eu já sei que ele quer, sim, e vai tentar mudá-lo, mas para pior. O discurso conservador tem uma grande facilidade de se mirar no comportamento da Dona Raposa. Exato! Aquela mesma das “uvas estão verdes”. Intelectuais todos são vaidosos. Mas há os que se desesperam quando percebem que não estão mais, em seu mundinho de faculdade, tendo seus “discípulos”.
Então, descobrem a lição de Dona Raposa. Pensam na tática infantil: “vou dizer que não quero o que mais quero”.
Como hoje em dia usar palavrão em um texto pretensamente feito para um público culto, não choca ninguém – só os que estão chegando hoje ao mundo das letras –, esses intelectuais adotaram outro modo de tentar chocar. É um modo meio velho, mas, enfim, para quem pretende ter adeptos num público bem jovem, a coisa parece funcionar. Eles discursam dizendo que não possuem mais nenhuma utopia e que não lutam por nada. Falam que não querem participar de nenhuma transformação. Realmente não querem. Mas não querem, caso a transformação seja na direção de ideais igualitários e de ampliação da liberdade. Estão sedentos para mudar o mundo e trabalham adoidados para tal. Querem um mundo que possa andar velozmente para frente, contanto que sempre todos só estejam olhando e cultivando o retrovisor.
Tipos assim se divertem em dizer que tudo que Marx escreveu é bobagem. Com isso, irritam militantes do PT que nasceram após a Queda do Muro de Berlim ou de gente que não se deu conta de que um discurso que põe a Bolívia como utopia não é discurso de esquerda, é apenas a volta da “Praça é Nossa” (Antiga “Praça da Alegria”), agora sem seus melhores quadros. Outros, do mesmo tipo, falam que Nietzsche e Heidegger contribuíram não para a filosofia, mas para o fascismo. Com isso, tentam desestimular a leitura desses filósofos que, afinal, eles próprios não entenderam. Alguns que se encaixam mais ou menos nesse tipo chegam também a falar que Foucault só teorizou sobre o poder, mas que há “muito mais coisa” que Foucault não viu (!). Usam desse tipo de ataque vazio, feito a esmo, para criarem algum frenesi numa turma de alunos do primeiro ano de ciências sociais ou história. Assim, criando raivinha em uns e amor de discípulos atarantados em outros, imaginam estar recuperando o prestígio perdido e, ao mesmo tempo, garantido um lugar ao sol em uma imprensa conservadora antes por receber benefícios de políticos que por qualquer motivação ideológica.
Esse tipo de discurso é o da Raposa no seguinte sentido: já que meu ponto de vista, conservador, não vence eleição, então eu vou jogar “merda” no ventilador, pois uma vez todos na “merda”, nos sujamos o suficiente para que ninguém mais possa se achar melhor que o outro. Assim, não raro, esse discurso às vezes vem com o papo “não há mais direita e esquerda”. Essa é uma forma mais vulgar de dizer tudo que está acima. No fundo, a opção dessa pessoa é pela direita! Ela tem apenas vergonha de confessar isso porque, apesar das doutrinas da esquerda não terem tornado a Terra um paraíso, elas não são doutrinas derrotadas pelo confronto armado com a democracia, como ocorreu com o fascismo. Além disso, uma pessoa de esquerda pode posar de democrata (ainda que isso, em vários casos, seja mentira) enquanto que, no Brasil, é difícil ver uma pessoa de direita não ser tomada como fascista.
Marx e Engels não disseram que os filósofos quiseram só “interpretar o mundo” e, então, estávamos todos esperando por eles dois, os que viriam para “transformar o mundo”. O que eles disseram, no contexto que falaram aquilo que falaram sobre transformação, é que o programa da Filosofia (com F), que era o programa de Hegel, tomava a atividade fundamental de todos os filósofos como atividade de interpretação. Claro, pois o filósofo, nessa acepção hegeliana, fala o que o Espírito (Geist) quer, e este se realiza na sua atividade vital fazendo uma atividade espiritual, e tal atividade é par excellence a atividade de interpretação. Ora, mas se substituímos o Espírito (Geist) de Hegel pelos homens de carne e osso, agrupados em classes sociais e criando as coisas materiais, então as realizações não são mais do Espírito (Geist), são realizações desses homens. Ora, tais realizações não são mais de porta vozes do Espírito (Geist), são realizações dos homens de carne e osso. E estes são transformadores do mundo – sempre foram. Marx e Engels falaram, então, apenas isso: somos filósofos diferentes; nós fazemos filosofia não como atividade do Espírito (Geist), mas como atividade da toupeira – a revolução que corre por baixo dos acontecimentos mais visíveis, mais superficiais. Fazemos isso antes porque somos homens comuns que fazem política que por sermos filósofos. E sendo assim, acabamos por ser filósofos diferentes.
Não havia nada de messiânico nisso. Para quem leu Hegel e, então, leu Marx, isso sempre ficou claro. Mas, para quem pegou Marx sem nunca lidar a sério com filosofia, tudo em Marx acabou por soar dogmático, religioso, doutrinário demais. Uma pessoa com essa feição pode ler Marx e Engels como se fossem meninos bobos e, então, pensar assim da dupla: como entender uns malucos que dizem que querem transformar o mundo enquanto que todos os outros, do passado, só interpretaram? Então, tal pessoa pode ficar tentada a dizer para si mesma: como é fácil ser intelectual agora, basta eu me posicionar contra Marx e dizer que não tenho mais nenhuma utopia! Um professor desse tipo passa por ridículo diante de intelectuais mais experientes e que amassaram o barro da filosofia, mas adoça a boca de uma juventude que acordou para a política quando Lula já era presidente.
Esse tipo de professor só não vai se espalhar pelo Brasil porque com o aumento de universidades públicas, esse comportamento blasé da direita intelectual paulistana não conseguirá se tornar hegemônico com facilidade. Pois, afinal, esse discurso de rebeldinho-sem-causa soa ridículo mesmo e, mais rápido que o seu autor pode imaginar, até mesmo os jovens que viram nele algum sinal de inteligência vão amadurecer e ficar com vergonha de terem dado crédito para esse tipo de rebolation filosófico.
© 2010 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ

Um comentário:

Anônimo disse...

ler todo o blog, muito bom